quarta-feira, 29 de agosto de 2007

A passagem do som

De todas as artes, a música sempre me emocionou mais. Meu humor é diretamente influenciado pelo que escuto. Quando quero me alegrar, basta ouvir uma canção de que eu goste e pronto, resolvido. Da mesma forma, se ouço algo que me desagrada, o efeito é o contrário: fico irritada.

No meu primeiro show como assistente de produção, ficou mais evidente para mim meu amor à música. Cheguei cedo com o roadie, e levamos os instrumentos. Ele foi montando a bateria e ajeitando tudo para quando a banda chegasse. Depois vieram técnicos de som, de iluminação, e eu fui observando o palco tomar vida.

Microfones ligados, luzes no ponto, hora de passar os instrumentos. Cada músico toca um pouco, afina daqui, aumenta o som dali... Quando me dei conta, os acordes e batidas aleatórios haviam se unido na mesma música, formando uma levada uniforme. Naquele momento, algo aconteceu. O instante dessa percepção foi para mim o mais precioso do dia, mais até que o próprio show – excelente, por sinal.

Lembrei-me de horas antes, quando o palco ainda era apenas fios e caixas de som. Revi toda a montagem, pensando na sublime transformação que havia presenciado naquela tarde. Todo aquele quebra-cabeça de aparatos tecnológicos interligado com o mesmo objetivo: amplificar o alcance da música.

domingo, 12 de agosto de 2007

O gosto agridoce da verdade

A água é escassa. Saneamento básico não existe. Alimentos, calçados e roedores convivem a menos do que se pode considerar uma distância mínima: todos no chão, espremidos em cômodos apertados equipados quase sempre com beliches, nos quais dormem sobretudo mulheres e crianças. Os homens freqüentam as casas para freqüentar as donas de casa, que tiram dessas visitas o sustento da família.


Não, não estamos em nenhuma favela brasileira, nem no subúrbio das grandes capitais do país, tampouco na miséria sertaneja tão retratada no cinema nacional. Estamos em Calcutá, Índia, nos bordéis de uma região chamada Luz Vermelha, para a qual toda a cidade fecha os olhos, como se o nome do bairro indicasse mesmo que ali o acesso é proibido, quando, na verdade, a luz vermelha pisca como um alarme em pedido de socorro. Nascidos em Bordéis (Born into Brothels, 2004) não é ficção. É um documentário comovente com dosagem equilibrada de delicadeza e força.

A fotógrafa Zana Briski, que a princípio pretendia realizar um trabalho com as prostitutas dos bordéis, acabou encantando-se com os filhos delas. Iniciou um curso de fotografia com as crianças, entregou uma câmera simples a cada uma e, deixando-as livres para clicar o que quisessem, obteve resultados impressionantes. Simultaneamente, Zana esforçava-se para conseguir matricular os alunos em escolas de instituições internacionais, nas quais os pequenos artistas poderiam ter uma educação de qualidade e melhores oportunidades de trabalho, posteriormente.

É fácil compreender a mudança de foco da norte-americana: as crianças são mesmo encantadoras. São mais uma prova de que sensibilidade artística não depende de estudo e, muito menos, de berço. Além delas, todavia, o filme registra cenas impagáveis de um país que, embora não seja remoto e desconhecido, está longe de ter a cultura difundida. Conhecemos a pobreza em que vivem as famílias dependentes da prostituição; um pouco da crença e dos valores tão distintos do modelo ocidental a que estamos acostumados; as brigas entre as moradoras dos bordéis e até o pungente depoimento de um menino de 11 anos sobre o pai relapso viciado em haxixe. A edição é primorosa ao enxertar, ao longo do filme, belas imagens fotografadas pelas crianças.

A grande fragilidade do documentário, porém, talvez esteja justamente na exaltação do altruísmo da diretora. Há nobreza, claro, na iniciativa de ensinar às crianças uma técnica à qual elas dificilmente teriam acesso, na tentativa de resgatá-las do destino quase certo e na denúncia dos morosos e complexos processos para conseguir documentações e vagas nas escolas. Também ficam nítidas a boa intenção e a sinceridade das atitudes da professora. No entanto pode causar certo desconforto no espectador o fato de ser ela mesma a protagonista do próprio filme, tão dedicada, querida e exemplar.

Em vez de registrar a luta de um morador local ou mesmo de outro estrangeiro para ajudar as crianças, ou, em vez de uma equipe distinta filmar a rotina de Zana, Nascidos em Bordéis mostra a saga da própria cineasta. Essa autopromoção provoca estranhamento, incomoda, embora não chegue a tirar o brilho das crianças, verdadeiras protagonistas da história. A postura da professora, passível de críticas e louvores, reforça a dicotomia do filme, que em pouco mais de 90 minutos apresenta beleza e dor, expectativa e frustração, a doçura e o azedume da vida.

Recomeço

Três meses e oito dias depois... cá estou eu, de volta e com a promessa de não deixar morrer meu blog. Prometo para mim mesma, claro, porque leitores, leitores mesmo, devo ter uns dois, no máximo, que acessam isto aqui a cada mês, imagino, para conferir se continua abandonado. Pois bem: não continua.

E neste post-reinaugural decidi mostrar a fotografia vencedora do World Press Photo 2007, ou seja, a fotografia jornalística do ano, do norte-americano Spencer Platt. Basta dizer que são alguns habitantes de Beirute visitando uma parte da capital libanesa destruída pelos bombardeios israelenses... Já foi noticiado que não faziam “turismo de guerra”, eram apenas moradores de classe média da região procurando por parentes. Vai saber, né. Mas que a foto engana, engana.